Cilindradas de sucesso
A história da tecnologia de motores do Porsche 911 é feita de inovação constante e tradição única. Seu clímax até agora: a hibridização de alto desempenho para a geração 992.
Após seis décadas de desenvolvimento do motor do 911, o balanço de hoje: capacidade dobrada, potência quadruplicada, conceito básico inalterado. “Ficamos sempre surpresos com o quão expansível e versátil é o motor boxer de seis cilindros”, diz Thomas Krickelberg, chefe de Operating Excellence na série 911/718. No futuro, ele também terá um turbocompressor elétrico de gases de escape para ainda mais potência e propulsão com menores emissões. Que base grandiosa é essa que, rumo à sua sétima década, ainda pode ser reinventada?
O motor Mezger
Quando a Porsche apresentou o futuro 911 em 1963, ainda sob o nome 901, seu boxer de seis cilindros produzia 96 kW (130 cv) com dois litros de cilindrada. “Design compacto, baixo peso, desempenho máximo”, relata Albrecht Reustle, especialista em projeto de motores boxer da Porsche, sobre suas qualidades que se mantêm até hoje. Até 1993, ele trabalhou na equipe de Hans Mezger – o projetista sob cujo nome o motor se tornou famoso.
911 com turbocompressor
Cada geração do 911 estabelece marcos na tecnologia de motores. Em 1974, a tecnologia turbo testada em corridas fica pronta para produção em série no 911. Com sua combinação de turboalimentação de gases de escape e injeção de gasolina, o tipo 930 com potência de 191 kW (260 cv) fica muito à frente da concorrência em desempenho e eficiência.
E, desde o início, cumprindo os rígidos regulamentos de emissões. “Em retrospectiva, constatamos que a turboalimentação revolucionou todo o mundo dos motores de combustão interna”, diz Krickelberg.
Motores turboalimentados são o sonho de todo engenheiro, pois aproveitam a energia dos gases de escape aquecidos que, do contrário, seria desperdiçada. Seu coração é o turbocompressor, composto por uma turbina e uma roda de compressor, firmemente conectadas. A turbina é movida pelos gases de escape do motor e atinge quase 200.000 rotações por minuto. A roda de compressor gira na mesma velocidade e fornece ar comprimido aos cilindros. Esse incremento de ar fresco intensifica a combustão, elevando a potência do motor. Para não sobrecarregar os componentes do motor, é preciso limitar a pressão gerada no turbocompressor pelo fluxo dos gases de escape. Os gases de escape são liberados por uma válvula de derivação (bypass), chamada de wastegate, quando a pressão de sobrealimentação atinge um certo limiar.
Maior desempenho com arrefecimento
Com trabalho de desenvolvimento contínuo, os engenheiros da Porsche refinam o princípio do turbo. Com as altas temperaturas na área da turbina e a compressão do ar, ele se aquece. Isso tem um efeito negativo no enchimento do cilindro e no comportamento de combustão do combustível injetado. Nos carros de ano-modelo a partir de 1978, o ar de sobrealimentação comprimido passa a ser resfriado no caminho até a câmara de combustão, como já havia sido testado e aprovado nas corridas. O radiador é montado sob uma grade no grande spoiler traseiro. Esse elaborado arrefecimento do ar de sobrealimentação (intercooling) possibilita um aumento da potência para 221 kW (300 cv) e uma notável elasticidade do motor.
Um outro problema por princípio no motor turbo foi difícil de administrar no início: a resposta atrasada na aceleração. Na faixa de velocidade mais baixa, ao acelerar, o 911 Turbo se comporta de forma semelhante à sua contraparte mais fraca com motor aspirado. Mas, a partir de cerca de 3.500/min, um forte impulso entra em ação. “Tivemos que fechar essa espécie de lacuna do turbo para melhorar a dirigibilidade”, explica o desenvolvedor Krickelberg.
Biturbo: evolução vigorosa
A Porsche apresenta uma solução com a quarta geração do 911 Turbo (993). Com 300 kW (408 cv), o Porsche de série mais potente de até então é apresentado no início de 1995. Seu motor de 3,6 litros impressiona, com dois turbocompressores e dois intercoolers pela primeira vez. Ao acelerar, duas turbinas menores ganham velocidade mais rápido do que uma maior. Mas o principal efeito positivo vem do menor momento de inércia dos rotores menores. Krickelberg acrescenta: “Para levar todo esse desempenho com segurança para as ruas, o 993 Turbo recebeu, de série, tração aperfeiçoada nas quatro rodas.” Graças aos avanços nos controles do motor e na tecnologia de sensores, bem como ao moderno pós-tratamento dos gases de escape, o Turbo da última geração refrigerada a ar do 911 é considerado o carro de série com menores emissões do seu tempo.
Refrigeração a água para o século XXI
No final da década de 1990, August Achleitner descreve a mudança da refrigeração a ar para água no motor boxer de seis cilindros da quinta geração do 911 (996) como o “passaporte para a nova tecnologia”. Nessa época, Achleitner é chefe do departamento de planejamento técnico de produtos e responsável pela série 911 de 2001 a 2018. O resfriamento a água é um pré-requisito para novos aumentos de desempenho, redução do consumo e cumprimento da legislação de gases de escape e ruído. Os projetistas da Porsche desenvolvem cabeçotes com quatro válvulas por câmara de combustão. “Já em 1970 houve testes preliminares com um sistema de quatro válvulas refrigerado a ar para o motor V12 no tipo 908, que mais tarde seria usado no 917. Na década de 1980, a ideia foi retomada no desenvolvimento da série 911 e testada no tipo 964”, lembra Albrecht Reustle. “Mas o cabeçote literalmente derreteu.” E, mais uma vez, a solução vem das corridas: o bem-sucedido protótipo de longa distância 962 já roda com cabeçotes refrigerados a água, assim como o supercarro esportivo 959. Apesar de todas as discussões da época sobre abolir a refrigeração a ar, o tipo 996 é um sucesso revolucionário.
“A turboalimentação revolucionou o mundo dos motores de combustão interna.”
Thomas Krickelberg
Turbina de geometria variável
Em 2006, o 911 Turbo (tipo 997) impressiona com um salto notável no desempenho: a potência e o torque aumentam mais de 10%. A principal responsável é uma tecnologia nova e única no mundo – a turbina de geometria variável (VTG). Ela permite otimizar a eficiência do turbocompressor por uma faixa mais ampla de velocidade do motor, ajustando o ângulo e, portanto, a seção transversal dos gases de escape à medida que passam pelas pás da turbina. “O desenvolvimento da VTG foi inovador e, há quase 20 anos, tem sido um diferencial na tecnologia turbo de motores a gasolina”, explica Thomas Krickelberg. “Para direcionar de forma variável o fluxo dos gases de escape para a turbina, é preciso poder ajustar separadamente as pequenas pás em temperaturas de mais de 1.000 graus Celsius.” Para isso, são usados materiais que também foram empregados no ônibus espacial Space Shuttle.
Menor cilindrada, mais potência e eficiência
Após a introdução do resfriamento a água e da VTG, o próximo marco é em 2015: a turboalimentação nos modelos básicos Carrera e Carrera S da geração 991. Segundo Krickelberg: “Reduzimos a capacidade do motor e, ao mesmo tempo, alcançamos um aumento considerável no desempenho.” Com a nova geração de motores com compressor biturbo, foram inicialmente atingidos 20 cv de potência adicional – com menor consumo de combustível.
Hibridização esportiva
Em meados de 2024, com a atualização de produto da atual geração 911 (992), os projetistas voltam a abrir novos caminhos no aperfeiçoamento do motor boxer de seis cilindros (911 Carrera GTS: consumo de combustível combinado (WLTP) 11.0 – 10.5 l/100 km, emissões de CO₂ combinado (WLTP) 251 – 239 g/km, CO₂ class G , CO₂ class weighted combined G ). O novo 911 Carrera GTS é o primeiro 911 para uso nas ruas equipado com um híbrido de desempenho especialmente leve. Além de viabilizar um novo aumento significativo de potência e melhor aceleração, esse novo e inovador motor também prepara o sistema para futuros padrões de emissões. “Desenvolvemos e testamos as mais diferentes ideias e abordagens para decidir por um sistema híbrido que se adaptasse perfeitamente ao 911. O resultado é um motor único que se enquadra no conceito geral do 911 e aumenta significativamente o seu desempenho”, afirma Frank Moser, chefe das séries 911 e 718.
O cerne da tecnologia é o turbocompressor elétrico de gases de escape. Entre a turbina acionada pelos gases de escape e o compressor, fica situado um motor elétrico integrado. Sua função: ao acelerar, atingir alta rotação num piscar de olhos, o que acumula alta pressão de sobrealimentação imediatamente, sem atraso. O turbocompressor é movido pelo pequeno motor elétrico, por assim dizer. “A tecnologia proporciona uma resposta semelhante à de um motor aspirado”, explica Matthias Hofstetter, gerente de projeto do sistema de combustão e híbrido do 911. “E os valores de aceleração são comparáveis aos dos nossos carros esportivos totalmente elétricos.”
A aceleração na faixa de rotação mais baixa do motor é sensacional, como confirma Thomas Krickelberg. “Com a tecnologia convencional, não conseguiríamos alcançar o aumento de desempenho desejado e, ao mesmo tempo, cumprir as futuras leis de emissões.” Várias medidas contribuem para o resultado desejado. A cilindrada sobe novamente de 3,0 para 3,6 litros; contudo, graças ao suporte elétrico, o motor a combustão não precisa mais de dois, mas apenas de um turbocompressor – com resposta melhorada e dinâmica aumentada ao mesmo tempo.
“Isso economiza peso e mantém o motor compacto”, explica o designer Reustle. Além disso, o sistema de alta tensão permite que o alternador e o compressor do ar-condicionado sejam acionados eletricamente, dispensando o acionamento por correia. O cárter, que é 20% mais plano, abre mais espaço para os componentes adicionais, como inversores de pulso e conversores DC/DC. “Não queríamos tornar o 911 mais longo, largo ou pesado”, diz Hofstetter, “mas otimizar o pacote existente.” Isso significa controle de peso com elevação significativa de desempenho. O motor com turbocompressor elétrico, inicialmente oferecido na variante GTS, desenvolve 398 kW (541 cv) e 610 Nm de torque. O trem de força também inclui uma máquina síncrona a ímã permanente integrada à nova e reforçada transmissão de dupla embreagem (PDK) de oito marchas. Ele suporta o motor boxer a partir da marcha lenta com um torque de acionamento de até 150 Nm e oferece até 40 kW de potência. A propulsão elétrica pura, como em híbridos plug-in, não era um objetivo no 911 como T-Hybrid. “Porque a bateria também não deve ser muito grande e pesada”, explica Hofstetter sobre sua capacidade de 1,9 kWh.
Em troca, ela se beneficia de uma vantagem do sistema com compressor assistido eletricamente: recuperação por reaproveitamento de energia dos gases de escape. O motor elétrico no turbocompressor de escape também funciona como gerador. Ele gera até 11 kW (15 cv) de potência elétrica, que extrai da energia dos gases de escape.
Um princípio que é tão simples quanto fascinante. O motor elétrico funciona como um controlador de velocidade. Assim que a pressão de sobrealimentação aumenta demais devido à velocidade excessiva, ele freia a turbina. Isso gera eletricidade, que, por sua vez, é rearmazenada na bateria ou no motor elétrico. Graças à recuperação eficiente, a bateria relativamente pequena é suficiente para o uso diário, sobretudo porque a química das células é especialmente projetada para os requisitos dos T-Hybrid. “A tecnologia permite que a bateria libere muita energia em pouco tempo”, explica Hofstetter, “e seja recarregada com relativa rapidez”.
Outra vantagem do turbocompressor elétrico: o conhecido wastegate torna-se dispensável. Isso o torna uma novidade mundial nesse formato. “A energia que antes era conduzida através da turbina era desperdiçada e não utilizada”, esclarece Hofstetter. “Agora é gerada energia elétrica a partir da regulação da pressão.” Isso tem um efeito positivo na eficiência do motor e, consequentemente, no consumo de combustível.
“A turbocompressão, em combinação com a hibridização, a recuperação de energia, a redução do atrito interno do motor, a otimização do resfriamento e o design ideal da câmara de combustão”, resume o desenvolvedor de motores Reustle, “é a receita para cumprir as leis de gases de escape e emissões, hoje e no futuro. Ao mesmo tempo, com isso atendemos as crescentes demandas de desempenho e eficiência.” A implementação dessa receita, segundo ele, é “um excepcional esforço de equipe de todos os envolvidos”.
O motor boxer de seis cilindros do 911 continua a ser um sistema compacto. Muito fiel à tradição do inovador motor que Hans Mezger um dia inventou para o 911 original.
Dados de consumo
911 Carrera GTS
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11.0 – 10.5 l/100 km
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251 – 239 g/km
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G Class
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G Class